Crise Suicida
Neury J. Botega
Artmed
Editora, 2015
Trechos da Introdução
Neste livro escrevo
sobre uma experiência que faz parte de meu dia-a-dia, tanto no hospital
universitário quanto no consultório: atender pacientes em crise suicida. Com
isso, espero que a sistematização dessa experiência, no formato de um livro,
possa contribuir para o aprimoramento da clínica. Faço, também, um apanhado dos
percursos e desafios dos quais participei numa área onde se dão, no Brasil, os
primeiros passos: a prevenção do suicídio.
A temática do
suicídio está aberta a diferentes visões e a várias ciências. Devido à sua
natureza dilemática, complexa e multidimensional, não há uma maneira única de
olhar ou abordar o problema. O referencial teórico aqui apresentado, eclético,
visa incentivar o leitor a refletir e a eleger o que mais se adéqua à sua
prática e à condição única de seu paciente.
A crise pode levar ao colapso existencial, com vivências
de angústia e desamparo, de incapacidade e esgotamento, de falta de perspectiva
de solução, um não encontrar saída. Se ultrapassar a capacidade pessoal de
reação e de adaptação, pode aumentar a vulnerabilidade para o suicídio, que
passa a ser visto como solução única para uma situação insuportável.
A palavra suicídio é conhecida
desde o século XVII. As várias definições de suicídio costumam conter uma ideia
central, mais evidente, ligada ao ato de
terminar com a própria vida, juntamente com ideias periféricas, menos
evidentes, relacionadas à motivação, à intencionalidade e à letalidade.
Na crise suicida há a exacerbação de uma
doença mental existente, ou a turbulência emocional que, sucedendo a um
acontecimento doloroso, é vivenciada como um colapso existencial. Ambas as
situações provocam dor psíquica intolerável e, em consequência pode surgir o
desejo de interrompê-la por meio da cessação do viver.
A capacidade
do paciente de manter o controle sobre sua vida torna-se nula ou muito
reduzida. É assim que vem, ou geralmente é trazido, ao psiquiatra. Então, é esse
profissional quem deve assumir, temporariamente, o controle da crise,
valendo-se de vários recursos: acolhe o paciente e o mantém em segurança, convoca
e orienta a família, indica uma internação hospitalar ou domiciliar, prescreve psicofármacos,
encaminha ou já inicia uma psicoterapia de crise, bem como ativa outras fontes
de apoio.
Trechos do capítulo Magnitude
Nos últimos sessenta anos, os
índices de suicídio vieram aumentando, até que decresceram a partir de meados
da década de 1990. Entre os anos de 2000 e 2012, dentre os 172 países que
enviam seus dados sobre suicídio para a Organização Mundial da Saúde (OMS), em
apenas 29 (17%), observou-se elevação de tais índices.
No Brasil, o coeficiente médio
de mortalidade por suicídio foi de 5,8 mortes para cada 100 mil habitantes, em
2012, segundo estimativa da OMS.
Um coeficiente nacional de mortalidade
por suicídio é uma média. Por isso, deixa de revelar as importantes variações
segundo regiões geográficas e grupos humanos. Estudos epidemiológicos
realizados nas duas últimas décadas mostram taxas mais elevadas nas regiões Sul
e Centro-Oeste, em cidades de pequeno e de médio porte populacional, em homens,
em idosos e em indígenas.
O coeficiente de mortalidade por
suicídio no Brasil pode ser considerado relativamente baixo, quando comparado
ao de outros países. A despeito disso, por sermos um país populoso, ocupamos o
oitavo lugar entre os que registram os maiores números de mortes por suicídios.
Em 2012 houve 11.821 suicídios oficialmente registrados no país, o que
representa, em média, 32 mortes por dia.
Trecho do capítulo Entendimentos
Um modelo de entendimento da
suscetibilidade ao suicídio inclui a participação de uma propensão biológica,
movida pela genética, combinada a fatores ambientais. Alguns componentes desse
modelo têm sido objeto de intensa investigação científica: traços impulsivo/agressivos,
experiências traumáticas na infância (notadamente privação materna e abuso
físico), desamparo, pessimismo, carência de apoio social, rigidez cognitiva,
prejuízo na capacidade de solução de problemas e acesso a meios letais.
Um transtorno psiquiátrico, dentre os
quais se destaca a depressão, está presente em mais de 90% dos casos de
suicídio, de acordo com estudos retrospectivos realizados nos Estados Unidos e
Europa. Ambos, depressão e suicídio, podem ocorrer como resposta anormal a
acontecimentos estressantes.
Edwin Shneidman, psicólogo norte-americano, é considerado
o pai da Suicidologia. Baseando-se tanto em um referencial psicodinâmico quanto
cognitivo, cunhou o neologismo psychache
(dor da alma, dor psíquica) para denominar o estado de alguém que esteja
prestes a se matar. Trata-se de uma dor intolerável, vivenciada como uma
turbulência emocional interminável, uma sensação angustiante de estar preso em
si mesmo, sem encontrar saída.
Nessa
condição, a combinação de desespero e desesperança leva à necessidade de um
alívio rápido: cessação da consciência para interromper a dor psíquica. Na
crise suicida, o estado de construção cognitiva não permite um leque de opções
de ação para enfrentar os problemas.
Se de início a ideia de se
matar parece alheia e perigosa, causando ansiedade, aos poucos, pode adquirir
estrutura autônoma e tranquilizadora (alívio de tensão) e passa a ser tolerada
e bem-vinda. A situação agrava-se dramaticamente quando a pessoa tem pouca
flexibilidade para enfrentar adversidades e propensão à impulsividade.
Trechos do capítulo Prevenção
Atualmente,
podemos afirmar que se fortalece, no país, a percepção de que o suicídio, dentro
de sua complexidade, também figura
como um problema de saúde pública. Há maior consciência da população de que
necessitamos de estratégias mais efetivas para a prevenção da violência,
incluindo-se nesse esforço a prevenção do suicídio.
Todavia, desde a publicação das Diretrizes,
não se avançou em direção a um plano nacional de prevenção do suicídio, o que
permitiria, entre outras coisas, dotação orçamentária voltada para ações
estratégicas. Houve, pontualmente, raras parcerias do Ministério da Saúde com
centros universitários, apoiadas financeiramente pela Organização Panamericana
de Saúde, tendo por objetivo a realização de pesquisas e projetos assistenciais
locais.
Há necessidade de transformar diretrizes
políticas em ações mais efetivas, que estejam embasadas cientificamente, as
quais, por sua vez, poderão orientar novas políticas de prevenção e estratégias
assistenciais. Isso se constitui em um desejado círculo virtuoso entre
política, assistência e pesquisa, que não é algo simples de ser alcançado.
Tabela. Níveis de
prevenção, populações-alvo e exemplos de estratégias que podem ser adotadas na
prevenção do suicídio.
Níveis de prevenção
|
UNIVERSAL
|
SELETIVA
|
INDICADA
|
População-alvo
|
Público em geral
|
Grupo com risco moderado
|
Grupo com alto risco
|
Exemplos de ações
|
Restrição de acesso a meios letais
Divulgação responsável pela mídia
|
Detecção e tratamento de transtornos mentais
e de outras condições de saúde associadas ao suicídio
|
Acompanhamento de pessoas que tentaram o
suicídio
|
Visando a
incrementar a divulgação responsável de casos de suicídio pela imprensa, a
Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) produziu um livreto para
profissionais da área da comunicação, com sugestões a respeito de como publicar
notícias sobre suicídio (ABP, 2009).
O Quadro
abaixo sintetiza algumas das sugestões.
Quadro. Sugestões para reportagens sobre
suicídio.
É incorreto simplificar um suicídio:
§
Cautela com depoimentos e explicações
de primeira hora!
§
Pessoas entrevistadas à procura de uma causa para o ocorrido podem transmitir
sua teoria que coloca a culpa em algo
ou em alguém
§
Alguns entrevistados podem negar que a
vítima tenha dado sinais de que planejava se matar; essa percepção costuma
mudar com o passar do tempo
§
Pergunta a ser feita: a pessoa
enfrentava problemas de saúde mental, já havia feito tratamento?
Evitar:
§
A palavra suicídio em chamadas e manchetes; incluí-la no corpo do texto
§
A matéria na primeira página
§
Chamadas dramáticas
§
Ênfase no impacto da morte sobre as
pessoas
§
Fotos ou detalhes do método letal
§
Certas expressões: cometeu suicídio; tentou o suicídio sem sucesso; os suicidas.
Aproveite a oportunidade para:
§
Conscientizar a população sobre
prevenção do suicídio
§
Incluir um quadro com as principais
características de determinado transtorno mental
§
Fornecer telefones e endereços onde
obter ajuda
Fonte: ABP, 2009
SITES DE
INTERESSE
www.who.int/mental_health/prevention/suicide/suicideprevent/en/
International Association for
Suicide Prevention (iasp.info)
American Association of
Suicidology (suicidology.org)
American Foundation for Suicide
Prevention (afsp.org)
Samaritans
(samaritans.org)
Nacionais
Centro de Valorização da Vida (cvv.org.br).
Rede Brasileira de Prevenção do Suicídio (rebraps.com.br)
Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos
Afetivos (abrata.org.br)
Apoio a Perdas Irreparáveis (redeapi.org.br)
Pravida – Projeto de Apoio à Vida (pravidaufc.webnode.com.br)
Manuais
Prevenção
do Suicídio: manual dirigido a equipes de saúde mental. Ministério da
Saúde/OPAS/Unicamp:
bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/manual_editoracao.pdf
Prevenção
do Suicídio no nível local: orientações para a formação de redes municipais de
prevenção e controle do suicídio e para profissionais que a integram, da
Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul:
www.saude.rs.gov.br/upload/1339707841_Preven%C3%A7%C3%A3o%20do%20suic%C3%ADdio%20-%20orienta%C3%A7%C3%B5es%20para%20a%20forma%C3%A7%C3%A3o%20de%20redes%20municipais%20de%20preven%C3%A7%C3%A3o%20e%20controle%20do%20suic%C3%ADdio.pdf
O
manual acima também tem uma versão abreviada, de bolso:
www.saude.rs.gov.br/upload/1367264760_Guia%20de%20Bolso.pdf
Comportamento
suicida: conhecer para prevenir. Manual da Associação Brasileira de Psiquiatria
para profissionais da Imprensa:
www.fundacaobunge.org.br/uploads/jornal_cidadania/cartilhasuicidio_2009_light.pdf
Suicídio:
informando para prevenir. Cartilha lançada pelo Conselho Federal de Medicina e
Associação Brasileira de Psiquiatria:
www.flip3d.com.br/web/pub/cfm/index9/?numero=14
Saúde
Pública – Ação para a prevenção do suicídio: uma estrutura. Esta publicação da
OMS, em Português, orienta sobre a adoção de medidas, em nível nacional, para a
prevenção do suicídio:
www.crp11.org.br/suicidio.pdf
Diretrizes Nacionais para Prevenção do Suicídio
bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2006/prt1876_14_08_2006.html
Ótimo site, repleto de informações super úteis. Diria apenas como sugestão que pudessem permitir que os links dos parceiros e das organizações, bem como dos materiais alistados para download, que eles fiquem ativos.
ResponderExcluirTambém recomendaria uma mudança no tamanho das fontes e nas cores do site a fim de refletirem alegria e esperança.
Abraços a todos que trabalham e apoiam nessa importante missão.